segunda-feira, 29 de março de 2010

CAPÍTULO 01
Novela O Quinze (Rachel de Queiroz)

Depois de se benzer e de beijar duas vezes a medalhinha de São José, Dona Inácia concluiu:
“Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ò castíssimo esposo da Virgem Maria, e alcançai o que rogamos. Amém!”
Vendo a avó sair do quarto do santuário, Conceição, que fazia as tranças sentada numa rede ao canto da sala, interpelou-a:
_ E nem chove, hein, mãe Nácia? Já chegou o fim do mês... Nem por você fazer tanta novena...
Dona Inácia levantou os olhos para o telhado:
_Tenho fé em São José que ainda chove! Tem-se visto inverno começar até em abril.
_Você não vem tomar o seu café de leite, Conceição?
A moça pôs-se a cear, calada, abstraída. Depois tomou à bênção a avó e foi para seu quarto, folheou devagar um livro, relendo trechos conhecidos, cenas amorosas, duelos, episódios de campanha. Conceição apagou a luz e foi dormir.
Todos os anos, nas férias da escola, Conceição vinha passar uns meses com a avó (que a criara desde que sua mãe morrera) no Logradouro, a velha fazenda da família, perto do Quixadá.
Tinha seu quarto, seus livros e chegava sempre cansada, emagrecida pelos dez meses de professorado. Conceição tinha 22 anos e não falava em casar, era acostumada a pensar por si só, a viver isolada e a criar suas idéias e preconceitos próprios.
Vicente, encostado a uma jurema, defronte ao juazeiro dirigia a distribuição de rama verde ao gado. Reses magras, com grandes ossos furando o couro das ancas. Era raro, em março, ainda se tratar de gado. A rama já não dava nem para um mês.
Dona Maroca das Aroeiras deu ordem pra, se não chover até o dia de São José, abrir as porteiras do curral. E o pessoal dela que ganhe o mundo...
Chico Bento, o vaqueiro das Aroeiras aboiava dolorosamente, vendo o gado sair, um a um, do curral. Da janela da cozinha, as mulheres assistiam à cena. Choravam silenciosamente, enxugando os olhos na beira dos casacos.
Ao dar as costas, rumo á casa, de cabeça curvada, Chico Bento murmurou desoladamente:
_Ô sorte, meu Deus! Comer cinza até cair morto de fome!
Ao chegar à velha casa de taipa, Chico entrou, no mesmo passo lento e foi direto ao caritó e tirou uma carta dobrada. Ele, penosamente decifrou a letra do administrador, sobrinho de Dona Maroca:

Minha tia resolveu que não chovendo até o dia de São José,
você abra as porteiras e solte o gado. É melhor sofrer logo
o prejuízo do que andar gastando dinheiro à toa em rama e
caroço, pra não ter resultado. Você pode tomar rumo ou, se
quiser, fique nas Aroeiras, mas sem serviço da fazenda.
Sem mais, do compadre amigo...

O vaqueiro ficou olhando aquelas letras que exprimem tanta desgraça. Depois dobrou o papel e pôs no lugar, porque uma carta daquelas lhe parecia coisa amaldiçoada.
No poente avermelhado, um vulto preto se desenhou. Era Chico Bento a cavalo, chegando à casa de Vicente para vender o que lhe restava e ir embora daquele lugar. O cavalo parou debaixo do pau branco seco que fazia às vezes de sombra.
Vicente, sentado numa rede, via-o chegar.
_Boa tarde, compadre. Abanque-se!
O vaqueiro sentou-se num banco de pau, junto ao parapeito.
_É verdade que você vai-se embora?
O caboclo alongou a voz lamentosa:
_Inhor sim... A dona mandou soltar o gado... Ainda esperei uma semana, pois me esperancei que inda chovesse depois de São José... Mas qual!
Vicente baixou a cabeça pensativo e perguntou:
_Quantas reses você tem para negócio?
_Um boiote, uma vaca solteira e um garrote. Tem mais a minha roupa de couro.
_Quanto você quer por isso?
_Pela roupa pode me dar vinte mil réis...
_E pelas reses?
_Pelas reses, me dê quarenta mil réis por cabeça... É mesmo que lhe dar dado...
_Quarenta mil réis é caro. O gado no Quixadá está a vinte e cinco e trinta mil réis.
O vaqueiro levantou o chapéu de couro e coçou a nuca:
_Se o compadre Vicente quisesse fazer uma troca... Me dava um animal de carga e uma volta em dinheiro...

E AÍ? SERÁ QUE O CHICO BENTO CONSEGUIU FAZER A TROCA? NÃO PERCA O PRÓXIMO CAPÍTULO.

Um comentário:

  1. Olá!

    Recentemente o Instituto Sangari publicou estudo sobre a violência nos últimos 10 anos no Brasil. Dados alarmantes, que demonstram que a violência que nos assusta no local onde moramos é um fenômeno nacional. O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ALGUMAS REFLEXÕES? QUAL O PAPEL DE TODOS? Leia! Divulgue e deixe seu comentário:
    www.valdecyalves.blogspot.com
    Veja um vídeo do qual participei comentando sobre a violência na mídia:
    http://www.youtube.com/watch?v=ljsdz4zDqmE
    FELIZ PÁSCOA PARA TODOS! Não deixe de seguir o meu blog e assinar o feed.

    ResponderExcluir