segunda-feira, 26 de abril de 2010

CAPÍTULO 04

Agora, sozinha o marido longe - Chico Bento saíra de manhãzinha a ver se descobria alguém que ensinasse um remédio – de cócoras junto à criança moribunda, Cordulina chorava sem consolo.
Um dos outros pequenos, chupando o dedo, olhava o irmão. E o Pedro, o mais velho, de vez em quando tangia uma mosca que tentava pousar no rosto do doentinho. A criança era só osso e pele. O ventre inchado, o couro seco de defunto, empretecido e malcheiroso.
Quando o pai chegou com uma negra velha rezadeira, Josias, inconsciente, já com o cirro da morte, mal podia respirar.
A velha olhou o doente, abanou o pixaim enfarinhado:
_Tem mais jeito não... Esse já é de Nosso Senhor...
Cordulina ergueu a cabeça, fitou a velha e redobrou o choro. Chico Bento fitava dolorosamente a agonia do filho. E a criança ia se acabando devagar. Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova á beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora.
Cordulina, no entanto, queria-o vivo. Embora sofrendo, mas em pé, andando junto dela, chorando de fome, brigando com os outros...
Dia a dia a miséria aumentava. Só talvez por um milagre iam agüentando tanta fome, tanta sede, tanto sol. O comer era quando deus fosse servido.
Às vezes paravam num povoado, numa vila. Chico bento, sujeitando-se às ocupações mais penosas, arranjava um cruzado, uma rapadura, algum litro de farinha. Mas isso de longe em longe.
Pedro o mais velho dos pequenos, também tentava um ganho; mas em tempo assim, com tanto homem sem trabalho, quem vai dar o que fazer a menino? Cordulina, botando a vergonha de lado, com o Duquinha no quadril, dirigia-se às casas, pedindo um leitinho para dar ao filho, um restinho de farinha ou de goma para fazer uma papa...
A pobre da burra, que vinha se sustentando com casca de pau e sabugos de monturo, foi emagrecendo, descarnando, até ficar uma dura armação de ossos. Chico Bento julgou melhor trocá-la por qualquer cinco mil réis que ser forçado a abandoná-la por aí, meio morta.
E deixaram a companheira de tantas léguas amarrada a uma estaca de cerca. Eles tinham saído na véspera, de manhã, da Canoa. Eram duas horas da tarde. Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou-se numa pedra e falou:
_Chico, eu não posso mais... Acho até que vou morrer.
Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. O cabelo caía por cima do rosto. A pele, empretecida como uma casca, praguejava nos braços e nos peitos. A memória do vaqueiro começou a recordar a Cordulina do tempo do casamento. Viu-a de branco, gorda e alegre, com um ramo de cravos no cabelo e argola de ouro nas orelhas.
No colo da mãe, o Duquinha, também só osso e pele levava, com um gemido abafado, a mãozinha imunda, de dedos ressequidos, aos pobres olhos doentes. E com a outra tateava o peito da mãe.
E foram andando lentamente, à toa, costeando a margem da caatinga.
Às vezes Pedro parava, curvava-se, espiando debaixo dos paus, procurando ouvir a carreira de algum tejuaçu. Mas o silêncio fino do ar era o mesmo. Mais longe a telha encarnada de uma casa brilhava ao sol. Lentamente Chico moveu os passos na sua direção.
De repente um bé!, agudo e longe, estridulou na calma. E uma cabra ruiva, de focinho quase preto, estendeu a cabeça. Chico bento, perto, olhava-a, com as mãos trêmulas, a garganta áspera, os olhos afogueados.
O animal soltou novamente seu clamor aflito. Cauteloso, o vaqueiro avançou um passo. E de súbito em três pancadas a cabra entonteceu e caiu em cheio por terra. Chico Bento tirou do cinto a faca e abriu no animal um corte. Na pressa, arrancava aqui pedaços de lombo, afinava ali a pele, deixando-a quase transparente.
Mas Pedro que fitava a estrada, o interrompeu:
_Olha, pai!
_Um homem vinha em grandes passadas. Agitava os braços em fúria, aos berros:
_Cachorro! Ladrão! Matar minha cabrinha! Desgraçado!
Chico Bento, desnorteado, deixou a faca cair. O homem avançou, arrebatou-lhe a cabra e procurou enrola-la no couro.
Quase de joelhos, com os olhos vermelhos cheios de lágrimas que lhe corriam pela face áspera, de mãos juntas, Chico Bento suplicou:
_Meu senhor, pelo amor de Deus! Me deixe um pedaço de carne que dê um caldo para a mulher mais os meninos! Foi pra eles que eu matei! Já caíram com fome!...
_Não dou nada! Ladrão! Sem vergonha!
E o homem disse afinal, num gesto brusco, arrancando as tripas da criação e atirando-se para o vaqueiro:
_Tome! Só se for isto! A um diabo que faz a desgraça que você fez, dar-se tripas é até demais!...
O homem foi para casa e Pedro sem perder tempo, apanhou o fato que ficara no chão e correu para a mãe.

O QUE SERÁ QUE VAI ACONTECER COM A FAMÍLIA DE CHICO BENTO?
NÃO PERCA O PRÓXIMO CAPÍTULO!

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