segunda-feira, 10 de maio de 2010

CAPÍTULO 05 - NOVELA O QUINZE

CARÍTULO 05

Chico Bento ainda esteve uns momentos na mesma postura, ajoelhado. E antes de se erguer, chupou os dedos sujos de sangue, que lhe deixaram na boca um gosto amargo de vida.
Cordulina acordou e voltou-se espantada para o filho, que vinha com aquelas tripas na mão.
_Que é isso menino?
_É a tripa de uma criação... O papai matou, mas veio o dono tomar, e por milagre ainda deu o fato...
A mãe levantou-se e trôpega, ainda, tomou na mão as vísceras que sangravam:
_Pois, meu filho, vá até aquela casa ver se arranja um tiquinho de água mode consertar e lavar...
O pequeno bateu e pediu água. O homem enfurecido, contando a história a mulher; e vendo chegar o menino, voltou-se feito uma onça:
_Porque aqui ainda, seu cachorro? Não tem água coisa nenhuma! Já pra fora! Deviam estar na cadeia! Vamos, já pra fora! Achou pouco o que ainda dei?
Pedro correu assombrado, chegou junto da mãe, chorando de vergonha e de susto:
_O homem botou a gente pra fora, chamando tudo quanto é nome...
E num foguinho de garranchos, arranjados por Cordulina com um dos últimos fósforos que trazia no cós da saia, assaram e comeram as tripas, insossas, suja, apenas escorridas nas mãos.

***
Mocinha deixou a velha Eugênia num domingo ao meio dia, já na rua com a trouxa na mão, ainda ouvia a descompostura. Com algum custo conseguiu ficar na casa dum bodegueiro da praça, para servir como ama.
Lá em cima, na estação, um bagageiro dizia:
_Sinhá Eugênia, cadê aquela moçota que vendia café mais você?
_Botei pra fora. Aquilo era uma mundiça. Não me dava interesse; só sabia quebrar louça e namorar...
Mocinha parou de escutar e saiu correndo, chorando o seu desterro num desadoro.
Dona Inácia, já habituada, fazia seu crochê na sala de visitas. Conceição estava na escola. Saía de casa às dez horas e findava a aula às duas. Da escola ia para o Campo de Concentração, auxiliar na entrega dos socorros. Só chegava à tardinha, fatigada, com os olhos doloridos de tanta miséria vista.

Chico Bento, depois daquela noite passada, ali, no abandono da estrada chamou a mulher e foi andando em procura do povoado, o vulto de Pedro que havia sumido.
Na estrada limpa e seca só se via um homem com uma trouxinha e um cavaleiro galopando.
De repente, uma idéia o sossegou:
_Que besteira! Naturalmente ele já está no Acarape...
Mas chegaram ao Acarape e perguntaram pelo menino a todo mundo. Não... Ninguém tinha visto... Sabia lá! A toda hora estava passando retirante...
_Por que você não vai falar ao delegado? Ele é quem pode dar jeito. Mora ali, naquela casa de alpendre.
Chico Bento chegou na casa, bateu à porta, enquanto Cordulina se sentava no chão. Lá de dentro, uma voz de mulher disse baixinho:
_Abre não, menina, é retirante... É melhor fingir que não ouviu...
Chico Bento escutou e explicou com a voz lenta e dolorida:
_Não vim pedir esmola, dona; eu careço é de ver o delegado daqui...
Um homem de cachimbo no queixo mostrou a cara na meia porta:
_Está falando com ele. O que é?
Chico bento reconheceu o homem e falou:
_Eu vim falar ao senhor mode um filho meu que sumiu.
O delegado abanou a cabeça e disse:
_Não tenho jeito que dar meu amigo... O menino foi-se embora com alguém...
Cordulina ouvia o que diziam e chorava baixinho. O delegado, ainda na porta, reconheceu também aquela cara e perguntou:
_Donde você é?
_Eu sou filho natural de Iguatu, mas faz muito tempo que morava pras bandas do Quixadá.
_Nas terras de Dona Maroca?
_Inhor sim, nas Aroeiras...
_Bem que eu estava conhecendo! É o meu compadre Chico Bento!
_Inhor sim... Eu também, assim que olhei pra vosmecê, disse logo comigo: este só pode ser meu compadre Luís Bezerra...
_Entre, compadre! Essa é a comadre? Cadê meu afilhado? Será esse que fugiu?
_Inhor não... O seu afilhado era o Josias, morreu na viagem...
Depois, ficando só com Chico Bento, atentou na miséria esquelética e esfarrapada do retirante.
_Então compadre, a velha largou você?
_Ela não quis tratar do gado mode a seca, e mandou abrir as porteiras... E eu fiquei sem ter o que fazer.
O delegado mandou dois cabras atrás do menino, mas foi em vão. Um deles contou que Pedro tinha sido visto na véspera de noite, num rancho de comboeiros de cachaça. No mesmo dia à tarde, foram embora e tomaram o trem para a cidade. Luis Bezerra tinha arranjado passagens e uma roupa para os retirantes.
Chegaram à estação do Matadouro. Cordulina acomodou-se como pode, ao lado do cajueiro onde tinham parado.
Conceição os descobriu, sentados pensativamente debaixo do cajueiro. Já sabia Conceição que Chico Bento havia retirado. Vicente contara a venda do gadinho dele e o caso das passagens.
E a moça, todos os dias, na confusão de gente que ia chegando ao Campo de Concentração procurava descobrir aquelas caras conhecidas, que deviam vir bem chupadas e negras.


SERÁ QUE CONCEIÇÃO RECONHECEU CHICO BENTO?
NÃO PERCA O PRÓXIMO CAPÍTULO!

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