segunda-feira, 24 de maio de 2010

CAPÍTULO 07 - O QUINZE

CAPÍTULO 07

_Dê... Se é da gente deixar morrer, pra entregar aos urubus, antes botar nas mãos da madrinha, que ao menos faz o enterro...
Cordulina levou Duca, com a camisinha lavada numa das vezes em que foi buscar as sobras de comida que Dona Inácia lhe guardava. Conceição vendo-a entrar gritou alegremente:
_Foi de vez comadre? Agora não leva mais! Pobrezinho de meu afilhado! Que é que tem dentro dessa barriga tão inchada Manuel?
Quando o quis tomar ao colo, o pequeno chorou e agarrou-se à mãe. Com muito custo, Cordulina o pôs no chão e para que ele não a visse sair, a mãe, depois de ir à cozinha arrecadar a sua trouxa, retirou-se escondida.
Conceição aproximou-se de novo, procurando atrair o afilhado com agrados, com comida. Mas Duquinha não se mexia nem queria comer nada. Ao meio dia Dona Inácia fez Conceição, com uma colher, por detrás dele, chegar-lhe um pouco de leite à boca. O menino gostou e continuou chupando a colher e reclamando com gritos quando a moça se demorava.
Fosse pela falta da mãe, ou por um atual excesso de alimentação, ou apenas em conseqüência das misérias sofridas, Duquinha caiu muito doente. Conceição chamou um médico que apalpou os bracinhos ressequidos e as pobres perninhas atrofiadas e horrorizado perguntou onde ela tinha arranjado uma criança tão fraquinha e esquelética.
A moça explicou:
_É meu afilhado doutor.
Passaram quinze dias e o menino melhorou. Já se sentava na rede e pegava com as mãos incertas a tigela de leite ou de caldo.
Uma tarde, no campo, Chico Bento chamou Conceição à parte e explicou:
_Comadre, quando eu saí do meu canto era determinado a embarcar para o Norte. Com a morte de Josias e a fuga do outro, a mulher desanimou e pegou numa choradeira todo dia, com medo de perder o resto... Eu queria que a senhora desse uns conselhos a ela e depois me arranjasse umas passagenzinhas pro vapor.
Conceição mordeu o lábio, pensativa:
_Isso não, compadre! Eu acho que a comadre tem uma certa razão... Estas crianças não suportam uma viagem para o Amazonas...
Chico Bento lembrou:
_Também pensei no Maranhão...
Cordulina respondeu assombrada:
_Que Maranhão, Chico, Deus me livre! Lá família inteirinha morre de sezão que nem se fosse de peste.
E ficaram os três indecisos, calados. Subitamente Conceição teve uma idéia:
_Por que vocês não vão para São Paulo? Diz que lá é muito bom... Tem trabalho e clima sadio.
O vaqueiro levantou os olhos e concordou. As passagens obtiveram sem custo. Cordulina foi se despedir do Duquinha. Chico Bento fitava o navio, escuro e enorme e sentia como que um imã o atraindo para aquele destino aventuroso. Despediram-se e foram embora. Iam para o desconhecido, para um barracão de emigrantes, para uma escravidão de colonos...
Iam para o destino, que os chamara de tão longe, das secas de Quixadá, e os trouxera entre a fome e mortes, e angústias infinitas.
Enfim caiu a primeira chuva de dezembro. Foi estranha a impressão de Vicente, acordando de madrugada, com um barulho desacostumado no telhado.
_Chuva? Possível?
Todos se alegraram. Dona Inácia se preparava para voltar ao Logradouro e Conceição se lamentava porque queria a avó com ela. A avó queria levar o Duquinha, mas a neta não concordou, pois já estava querendo bem ao menino e mesmo assim ficaria menos isolada...
Dona Inácia partiu. Em Baturité, quando retirava da valise um sanduíche, ouviu alguém chamando:
_A bênção madrin’Nácia!
Na plataforma da estação, uma moça magra, suja e esfarrapada – um dos eternos fantasmas da seca – choramingava baixinho. Dona Inácia não a reconheceu:
_Quem é você?
A moça gemeu tristemente:
_Eu sou a Mocinha, cunhada do Chico Bento, das Aroeiras...
_Você! Mas Mocinha, o que foi isso?
A mulher chorava em desespero e murmurou:
_Desgraça da vida, minha madrinha! O Chico tinha me deixado no Castro, em casa duma mulher que tem uma venda na estação. Mas eu não aturei até que fiquei nesta desgraça, e ainda por cima, com um filho. O pobrezinho ainda não tem um mês...
_E você quer voltar para o sertão, Mocinha?
_Não, aqui ainda vou vivendo... Tiro esmola.
Dona Inácia abriu a bolsa, puxou uma nota de cinco mil réis.
_Tome, se quiser ir pro Logradouro, tem lá uma casa vazia e eu lhe ajudo no que puder.
O trem partiu e Mocinha ficou na calçada.
Dona Inácia chega a Quixadá e é bem recebida pelas primas que a esperava na estação. Ela se dirige a cada um dos seus homens:
_Oh! Vocês por aqui? Então não esqueceram da velha?
***
Um ano... Dois anos... Três anos...

A banda de música atacou os derradeiros compassos do dobrado. As mocinhas vendiam cartelas, circulavam apressados entre os passeantes. Já fazia tempo que não havia em Quixadá quermesse de Natal tão animada.
O povo se apinhava na avenida, o dinheiro circulava alegremente.
E todos viveram felizes na medida do possível.


AGUARDE, EM BREVE, A PRÓXIMA NOVELA!

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